quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Novos textos introduziram alterações no CPC, por J. A. Almeida Paiva

1.Considerações preliminares. – 2. Inovações introduzidas pelas alterações do CPC. – 3. Artigos revogados do CPC. – 4. Processo sincrético. – 5. Títulos executivos judiciais. – 6. Títulos executivos extrajudiciais. – 7. Novo conceito de sentença. – 8. Perfil da liquidação de sentença. – 9. Do cumprimento da sentença judicial e sua impugnação – 10. Da execução provisória, definitiva, liquidação e impugnação.
1. Considerações preliminares

Novos textos introduziram substanciais alterações no atual CPC, que há 32 anos vem sofrendo modificações desde a entrada em vigor de sua redação original no dia 1º de janeiro de 1974.

As alterações no sistema processual normalmente operam-se por uma das seguintes maneiras: a) substitui o Código vigente por outro, como ocorreu em 1939 e em 1973, ou: b) fazem alterações parceladas, que por fim acabam tornando o Código uma colcha de retalhos, dificultando sua interpretação e a aplicação pelos operadores do Direito.

A atual comissão de Reforma optou por diversas alterações paulatinamente estudadas, que no nosso entender comprometem a estrutura dorsal do sistema processual, ainda que defendida por muitos sob a alegação de se manter em vista a dinâmica do processo.

Estamos mais preocupados com normas permanentes que garantam a certeza e segurança da prestação jurisdicional e do direito pleiteado, que possam ter sua interpretação, se necessário, ditada por Súmulas e que permitam manter atualizada a dinâmica do processo.

Quando se substitui um Código por outro, como em 1973, com um período de vacatio legis longo (um ano), v.g., os estudiosos poderão analisar o texto novo, como fizemos na PUC/SP, quando cursávamos o Mestrado em 1973, sob a Cátedra do Prof. Arruda Alvim; tivemos a oportunidade de dessecar, esmiuçar, destrinçar as filigrana da nova legislação processual, entendendo-a para melhor aplicá-la; o mesmo foi possível não só nos cursos de pós-graduação, mas também nas Faculdades de Direito no patamar da graduação; isto ainda poderá acontecer, desde que os reformadores estabeleçam como data de entrada em vigor das novas leis processuais, a mesma do início do ano letivo.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco, "Constitui objetivo declarado da Reforma a ampliação das vias de acesso à justiça, naquele significado generoso de acesso à ordem jurídica justa". O legislador, consciente de inúmeros óbices ilegítimos à plenitude da promessa constitucional de tutela jurisdicional justa e efetiva, vem procurando eliminá-los ou minimizá-los, de modo a oferecer aos usuários do sistema processual um processo mais aderente às necessidades atuais da população. A Reforma é uma resposta aos clamores doutrinários e integra-se naquela onda renovatória consistente na remodelação interna do processo civil, com vista a fazer dele um organismo mais ágil, coexistencial e participativo."(2)

Preferimos a reforma geral, de uma só vez, com a substituição de um Código por outro, com a adoção plena do processo sincrético para todos os casos, e que o sistema integre todas as normas procedimentais e procedimentos, por mais especializados que sejam, tudo num só compêndio onde possamos encontrar toda a legislação extravagante, sem exceção, tais como: Ação Civil Pública, Ação Popular, Ação de Alimento, Ação de Separação e Divórcio, Arbitragem, Ação de Desapropriação, Ação Discriminatória, Falência e Recuperação Judicial, Mandado de Segurança, Assistência Judiciária, Execuções Fiscais e Especiais, Locação, Lei de Recursos, Usucapião, Procedimentos de Registros Públicos, Juizados Especiais Cível, CPC 1939 etc., etc., além, é curial, das regas gerais e especiais de processo.

Acreditamos que assim teríamos mais segurança e certeza jurídica na aplicação e condução dos processos e evitaríamos interpretações divergentes, ambíguas ou contraditórias, atingindo a finalidade precípua do processo que é dar pronta e rápida solução aos conflitos de interesses e estabelecer a pacificação social no menor espaço de tempo possível, sem necessidade de constantes e reiteradas alterações.

Mas a realidade é outra e quem sabe um dia muitos ainda verão nosso sonho efetivado.

2. Inovações introduzidas pelas novas alterações no CPC.

Depois das reformas na década de 90 e outras esparsas que a seguiram, deparamo-nos, com mais um grupo de leis reformadoras, objeto deste comentário e que são: Leis: 11.187/2005 (Agravo), 11.232/2005 (Execuções), 11.276/2006 (Súmulas impeditivas de recursos), 11.277/2006 (Ações idênticas) e 11.280/2006 (Alterações gerais no CPC), sendo que no dia 23-6-06 entrou em vigor a Lei 11.232; outros 26 PL (+/-) ainda aguardam aprovação no Congresso..

O espaço é curto para comentar todas as alterações, mas procuraremos simplificar a exposição, ao menos para dar uma idéia resumida e objetiva do que entrou em vigor: Adoção do sistema alfa-numérico de artigos; Alterações de títulos e capítulos do Código; Ato processual por meio eletrônico; Competência relativa; Cumprimento da sentença; Execução provisória e definitiva; Execução judicial e extrajudicial; Liquidação de sentença; Medidas de urgência na ação rescisória; Novo conceito de sentença; Prescrição; Recurso de agravo; Resolução imediata do Processo; Súmula impeditiva de recursos.

É humanamente impossível num singelo artigo comentar todas as inovações e alterações introduzidas pelas leis acima referenciadas; o que podemos fazer, quando muito, é apresentar breves comentários ou como doutrina Clovis Fidrizzi Rodrigues, por se tratar de temas recentemente positivados, merecem amplo debate tanto da doutrina como da jurisprudência. (3)

Em síntese, a questão principal focou-se no processo de conhecimento e nos dispositivos relativos à execução fundada em titulo judicial.

Antes de qualquer consideração é bom registrar que a Lei nº 11.232, de 22/12/2005, em seu artigo 7º determinou que o Poder Executivo deveria publicar em 30 (trinta) dias "a íntegra da Seção III do Capítulo I do Título V; do Capítulo III do Título VI e dos Capítulos VIII, IX e X, todos do Livro I, do CPC, com as alterações resultantes desta lei" que sofreram as conseqüências das reformas operadas pela nova legislação processual.

Outra questão importante foi introduzida pelo parágrafo 4o, do art. 515 ao permitir que o Tribunal possa “determinar a realização ou renovação de ato processual, intimadas as partes (de ofício ou a requerimento das partes em seus recursos), prosseguindo com o julgamento da apelação no Tribunal após atendida a determinação do Relator; não se anula mais de pronto o processo para que retorne à instância inferior afim de resolver a questão apelada de caráter formal, doutrina Humberto Theodoro Júnior que, “superado o defeito, o recurso será apreciado normalmente em seu mérito, sempre que possível será evitada a invalidação e o retrocesso do processo e estágios anteriores à sentença, com respeito a atos e decisão no juízo de origem.”

Pelo § 1ºdo art. 518 do CPC o juiz poderá deixar de receber apelação se a sentença estiver em conformidade com Súmula do STJ ou do STF.

3. Artigos revogados do CPC

Registre-se, outrossim, que pelo art. 9º da Lei nº 11.232, de 22/12/2005, ficaram revogados: o inciso III, do art. 520; os arts. 570, 584, 588, 589, 590, 602, 603, 605, 607, 608, 609, 610, 611, 640 e 641, e o Capítulo VI do título I do Livro II da Lei n.º 5.869, de 11/janeiro/1973, Código de Processo Civil.

4. Processo sincrético

Iniciamos falando da tênue tentativa de introduzir as regras do processo sincrético no sistema processual brasileiro, quando apenas permitiu no art. 475-A, § 3º, e mesmo assim ressalvando, "se for o caso", que "o juiz fixe de plano, a seu prudente critério, o valor devido, no procedimento comum sumário referido no art. 275, inciso II, alíneas "d" e "e";

A regra deveria ser adotada, obrigatoriamente, em toda sentença condenatória, vedado ao juiz prolatar sentença ilíquida; todavia isto não aconteceu ainda.

No processo sincrético, que defendemos, unifica-se no processo de conhecimento as fases de liquidação e execução; há um só processo, no qual se apura o conflito de interesses ou o direito lesado, solucionando-os e estabelecendo a condenação que será executada voluntariamente pelo vencido ou mediante mandado, sem necessidade de um novo processo.

O capítulo IX, em seus artigos 475-A e seguintes tratam da Liquidação de Sentença que pode ser feita como outrora, por cálculo aritmético (art. 475-B); por arbitramento (art. 475-C e D) e por artigos (art. 475-E e F); a sentença que julga a liquidação desafiará, via de regra, o recurso de Agravo de Instrumento (art. 475-H).

5. Títulos executivos judiciais

Agora, vamos falar um pouco sobre uma das questões que têm sido objeto de mais questionamentos qual seja, o relacionado aos títulos executivos judiciais e extrajudiciais.

O art. 584 que tratava dos títulos executivos judiciais, foi revogado; o rol dos títulos executivos judiciais foi deslocado para o art. 475-N e de uma maneira geral, pouca alteração sofreu.

Hoje, o art. 475-N (ex-584) norma como títulos executivos judiciais os seguintes: "I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, de não fazer, entregar coisa ou pagar quantia; II – a sentença penal condenatória transitada em julgado; III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo; IV – a sentença arbitral; V- o acordo extrajudicial de qualquer natureza, homologado judicialmente; VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal; Parágrafo único. Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art. 475-J) incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ou execução, conforme o caso".

Segundo Felipe Scripes Wladeck, “doravante podem ser identificados trës grandes grupos de hipóteses de execução de título executivo judicial, de pagamento de quantia:

a) Manteve-se praticamente intacto o regramento atinente às execuções de sentença – judiciais ou arbitrais – condenatórias da Fazenda pública ao pagamento de quantia. Tais execuções continuam se dando na forma dos arts. 730 e seguintes do CPC (“praticamente intacto”); pois ocorreram breves alterações no rol das matérias que o Poder Público pode argüir em sede de embargos do devedor – confira-se a nova redação do art. 741;

b) As sentenças judiciais condenatórias ao pagamento de quantia certa contrárias a particulares, por sua vez, passam a ser executadas no bojo do próprio processo de conhecimento em que foram proferidas, ou seja, deixa de haver processo executivo autônomo no tocante a elas. A respectiva fase de cumprimento vem disciplinada nos artigos 475-I e seguintes do CPC;

c) Por fim, as execuções das sentenças mencionadas nos incisos II (sentença penal condenatória, transitada em julgado), IV (sentença estrangeira homologada pelo STJ); do art, 475-N do CPC, permanecem ocorrendo por meio de processo autônomo (como logicamente não poderia deixar de ser – vide o parágrafo único do mesmo dispositivo). Sua condução, entretanto, passa a se dar na forma dos arts. 475-I e seguintes”.(4)

Nas sentenças judiciais condenatórias contra particulares, líquidas ou não, não cabem mais embargos do executado, mas sim impugnação a teor dos artigos 475-I e seguintes, do CPC, que normam, inclusive as matérias que poderão ser alegadas na IMPUGNAÇÃO, e seu procedimento, sendo que a decisão que resolver a impugnação só poderá ser atacada por agravo de instrumento (art. 475-H e § 3° do art. 475-M), “sem efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução puder causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”. (art. 475-M)

A principal alteração, segundo doutrina de Humberto Theodoro Júnior, “realmente profunda ocorreu na sistemática da execução de sentença sobre obrigação de quantia certa,” posto que a Lei 11.232 que entrou em vigor no dia 24-06-2006, prevê duas vias de execução forçada:

“a) o cumprimento forçado das sentenças condenatórias e outras a que a lei atribui igual força (arts.475-I e 475-N);

b) o processo de execução dos títulos extrajudiciais enumerados no art. 585, que se sujeita aos diversos procedimentos do Livro II, do CPC”.(5)

Segundo, ainda, doutrina Humberto Theodoro Júnior, “as ações de execução de sentença iniciadas antes da vigência da Lei n. 11.232/2005 (i.é.24-6-06),prosseguirão até o final, dentro dos padrões da actio iudicata prevista no texto primitivo do Código. As sentenças anteriores que não chegaram a provocar a instauração da ação autônoma de execução submeter-se-ão ao novo regime de cumprimento instituído pela Lei n. 11.232/2005, mesmo que tenham transitado em julgado antes de sua vigência.”(6)

6. Títulos executivos extrajudiciais

O art. 585 apresenta o rol dos títulos executivos extrajudiciais.

Os embargos do devedor continuam cabíveis nas execuções por títulos extrajudiciais (inalterado o procedimento) e nas execuções movidas contra a Fazenda Pública.

Por ora não há nenhuma alteração substancial nas execuções por títulos extrajudiciais, mas há PL em discussão na Câmara dos Deputados objetivando alterações.

A propósito, Rodrigo Mazzei doutrina: “Vale realçar ainda que não foi introduzida qualquer norma que permita a liquidação dos títulos executivos extrajudiciais, mantendo o legislador a tradição em nosso sistema.”(7)

7. Novo conceito de sentença

No que tange ao conceito de sentença em sua nova definição legal, para que seja considerada como tal, há necessidade de dar solução a todas as questões objeto do processo, isto é, uma decisão que não resolva por inteiro todos os pedidos deduzidos em Juízo, não poderá ser considerada sentença e o recurso contra ela será sempre o Agravo, permanecendo os autos na instância inferior até solução definitiva de todo objeto questionado do processo.

8. Perfil da liquidação de sentença

A nova legislação alterou algumas normas referentes à liquidação de sentença.

Para melhor entendê-las preferimos listar a seguir a síntese apresentada por Rodrigo Mazzei, que objetivamente resumiu a questão nos seguintes pontos; diz ele: “a) não houve reforma total de todos os dispositivos da liquidação de sentença, sendo alguns apenas cambiados de posição do CPC; b) não foi extinta nenhuma das modalidades de liquidação de sentença anteriormente previstas, mantendo-se o rol determinado pela Lei 8.898/94, ou seja, subsistem no CPC tanto a liquidação por arbitramento quanto a liquidação por artigos; c) há, contudo, tentativa de alteração do status na figura jurídica para ser trabalhada como “incidente” e não como ação de conhecimento; d) a reforma não açambarcou a liquidação de sentença regulada nos arts. 95 e 97 do CDC, não havendo alusão direta sobre a mesma na Lei n 11.232/2005; e) não consta nas alterações qualquer possibilidade de liquidação de títulos executivos que não os obtidos em ação judicial.”(8)

concluindo que “no avançar dos pontos nervosos da liquidação, parece-nos de bom alvitre, ao menos em parte, a cronologia dos artigos que compõem o Capítulo IX do Livro I, uma vez que a Lei 11.232/2005 retirou a liquidação de sentença do Livro II, colocando-a logo após as regulações sobre sentença e coisa julgada, demonstrando-se a idéia de sincretismo que ilumina a reforma”.(9)

Assim, foi mantida pois na liquidação os mesmos critérios que haviam no CPC/73: por cálculo (art. 475-B); por arbitramento (art. 475-C) e por artigos (art. 475-E).

9. Do cumprimento da sentença judicial e sua impugnação

O cumprimento da sentença foi modificado sensivelmente pela Lei 11.232/2005, saindo do Livro que trata da execução para o do Livro do Processo de Conhecimento; nem por isto deixa de ter caráter de uma execução, só que agora é normado na forma do Capítulo X do Título VIII do Livro I do CPC.

Diz o art. 475-I que “o cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo” podendo ser líquida ou ilíquida, exigindo liquidação em quaisquer de suas modalidades, quando a sentença não fixar na fase de conhecimento o quantum debeatur.

O §§ 1º e 2º do art. 475 normam, respectivamente, que “E’ definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo” assim como “Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.”

Assim, como as regras de processo têm efeito imediato, numa execução precedida de liquidação transitada em julgado esta parte, por não ter o vencido apresentado nenhuma outro recurso, a parte liquidada por qualquer uma das maneiras de liquidação de sentença e que transitou em julgado torna-se definitiva, independentemente da parte contrária ter apresentado recurso sem efeito suspensivo questionando outras matérias que não foram objeto do trânsito em julgado.

O art. 475-J norma: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 (quinze) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta lei, expedir-se-a mandado de penhora e avaliação."

10. Da execução provisória, definitiva, liquidação e impugnação.

O art. 475-L e seguintes tratam da defesa do executado contra o cumprimento da sentença; elenca as matérias que podem ser alegadas; tratam da exceção de executividade, forma e procedimento da impugnação do título executivo judicial, elementos, prazos e procedimento desta.

Aplicam-se subsidiariamente no cumprimento da sentença, as normas do processo de execução de título extrajudicial (art. 475-R) tendo sido mantido o princípio de se observar na liquidação por artigos o procedimento comum (art. 475-F c/c art. 271), permanecendo o sistema até então vigente de proibir na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou (art. 475-G).

Nesta primeira abordagem fizemos um apanhado sobre generalidades das inovações introduzidas no CPC; num próximo artigo trataremos especificamente sobre o tema deste título, aprofundando principalmente no procedimento da IMPUGNAÇÃO, que em tese não tem efeito suspensivo (art.475-M), sua forma, matérias possíveis de serem alegadas, elementos constitutivos, recursos e análise da estrutura do processo de execução após as últimas reformas.

Assombrações

Tribunais ainda resistem ao CNJ

Advogado por mais de 20 anos nas áreas trabalhista e cível, em Porto Alegre, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp diz nunca ter pensado em entrar na magistratura. Ainda assim, está há mais de 20 anos do outro lado, no papel de julgador. Entrou para a magistratura em 1989, no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, na vaga destinada aos membros da advocacia. Foi designado para atuar em uma área em que jamais havia militado, o direito penal. "A partir daí, penal foi uma constante na minha vida", diz o ministro, um dos responsáveis pela criação das varas especializadas que julgam crimes de lavagem de dinheiro no país. Chegou ao STJ, quase dez anos depois e em 2008 assumiu a Corregedoria Nacional de Justiça. Por dois anos, percorreu 17 Estados e, em entrevista ao Valor, diz que viu situações graves e também inusitadas, como o que ele chama de os juízes "TQQ"s, aqueles que trabalham às terças, quartas e quintas-feiras apenas. E problemas que se repetem pelo país, como a falta de estrutura e planejamento do Judiciário. Sob seu comando, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) declarou cinco mil cartórios vagos e determinou que fossem realizados concursos públicos para preenchê-los. Foi a primeira vez que o costume secular de passar o comando dos cartórios de pai para filho foi realmente abalado. Apesar das medidas polêmicas, Dipp diz que nunca se sentiu pressionado. No dia 10 de setembro, o ministro passa o cargo para a também ministra do STJ, Eliana Calmon. Diz estar tranquilo pela competência e comprometimento da ministra com o Judiciário.

Valor: Durante dois anos, o senhor percorreu 17 tribunais do país. Alguma situação chegou a chocá-lo?

Gilson Dipp : Muitas. Casos de nepotismo, por exemplo, mesmo com as normas do CNJ. Algumas situações nem tanto pela gravidade, mas pelo inusitado. Em Teresina, no Piauí, por exemplo, tropecei em uma pedra na entrada da sala de distribuição de processos, em um prédio de três andares, sem elevadores. Ia perguntar do que se tratava, mas nem precisei. Havia um durex escrito "processo número tal", e o processo estava embaixo da pedra. Então vi que não era uma pedra, mas o instrumento de um crime, que estava ali guardado. Sentei em uma cadeira de metal, dessas antigas de propaganda de cerveja em bares, e observei que nas costas da cadeira havia um furo. Evidentemente, nem precisei perguntar do que se tratava. Era a cadeira onde foi baleada uma vítima. No mesmo local havia armas em armários abertos. Essa é a realidade do nosso Judiciário, de falta de estrutura, de falta de planejamento, de orçamentos limitados, mas também mal geridos.

Valor: Que tipo de assunto mais chega ao CNJ?

Dipp : Os assuntos são recorrentes. Absoluta falta de transparência na prestação de contas pelos tribunais, falta de realização de concursos para a contratação de servidores, concentração de cargos de confiança nos tribunais, falta de apoio à primeira instância e muito mais corrupção do que imaginávamos. E aqui pode entrar tudo, desde morosidade até corrupção. Nesses casos, o que nós podemos fazer é a reclamação disciplinar, ou seja, denunciar a conduta irregular do juiz frente à Lei Orgânica da Magistratura, cuja pena máxima é a aposentadoria compulsória. Foram afastados 34 quatro juízes nesse período, nem todos definitivamente. É muito difícil para a sociedade entender que em uma aposentadoria compulsória está se dando a maior punição moral para um juiz. A mácula moral de sair por um processo disciplinar da magistratura é muito grande. Mas sabemos que a sociedade nunca vai entender isso. E agora há uma discussão nova no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre isso. O juiz afastado, que tem sua aposentadoria compulsória determinada, contribuiu para sua previdência. E para onde é que vai esse dinheiro? O juiz ficou 30 anos na magistratura, foi descontado de seus vencimentos da mesma forma que um juiz que está em atividade. Ele pode perder esse valor? É o que o Supremo está discutindo hoje.

Valor: Qual desses casos mais chamou a sua atenção?

Dipp :Foi um no Maranhão, em que os juízes de sete varas cíveis foram afastados. Os casos envolviam a concessão de liminares, cautelares ou antecipações de tutela, todas iguais, só mudando o nome das partes. Sempre havia a liberação de altos valores, decorrentes de ações por danos morais contra grandes empresas, como bancos e multinacionais, todos de fora do Estado, pelas quais eram pedidos R$ 5 mil e chegava-se a R$ 15 milhões nas condenações. Geralmente, eram ações ajuizadas por partes com poucos recursos, pessoas sem bens, que litigavam pela Justiça gratuita contra empresas com bastante patrimônio, sem caução.

Valor: Houve resistência às visitas do CNJ?

Dipp : Nunca! Nem poderia haver qualquer obstrução. Uma vez nós chegamos em um cartório no interior do Paraná e o cartorário não estava. Começamos a fazer a inspeção e, quatro horas depois, ele chega correndo para prestar contas. Certamente um cartório mal administrado. Mas é preciso dizer que o Judiciário avançou muito, e isso é dito até por presidentes de tribunais e corregedorias estaduais que vêm pedir auxílio do CNJ. Muitas vezes acontece de eles chegarem para dizer que não têm suporte para realizar determinadas políticas do CNJ. Temos um grupo pequeno, de seis ou sete pessoas na corregedoria. E não é só inspeção. A inspeção gera um relatório e o relatório gera vários processos.

Valor: Como são feitas as inspeções?

Dipp : Nós ouvimos a sociedade por meio de audiências públicas, ao lado dos presidentes dos tribunais, órgãos institucionalmente envolvidos e as pessoas do povo, gente que nunca tinha visto na frente um desembargador. Recebemos todos os tipos de queixa - morosidade de julgamentos, denúncias e algumas queixas descabidas, por vezes até inconformismo com decisões judiciais. Saímos dessas audiências, por um lado, satisfeitos, mas também muito frustrados ao saber que não tínhamos competência, poderes para resolver tudo aquilo. O CNJ, para aquelas pessoas, era a última esperança.

Valor: Qual é o procedimento após as inspeções?

Dipp : Cada relatório é lido em plenário para ser aprovado, e em cada irregularidade constatada é determinada uma medida, com prazo para seu cumprimento. É como consulta médica, tem a consulta e tem o retorno, temos que fazer o acompanhamento. Na Bahia, por exemplo, já não há mais a mesma situação que encontramos na primeira vez. Foi o Estado mais problemático, pelo número de processos atrasados, seguido pelo Piauí, Maranhão e Amazonas. Até Estados ricos, como o Paraná, têm vários problemas no Judiciário.

Valor: A morosidade será o novo foco de ação do CNJ?

Dipp : Estamos com foco constante na morosidade. No Nordeste, têm os juízes chamados de "TQQ" - só vão ao trabalho às terças, quartas e quintas. Os primeiros passos foram dados, para que em cinco ou dez anos tudo esteja nos eixos. A nova geração de juízes já vem confiando no CNJ. O principal cliente do conselho hoje são os juízes, que nos trazem as suas dificuldades. Eles vêm aqui com as mais diversas queixas: não temos funcionários, não temos informática. Nós estamos lutando pelo aprimoramento do Judiciário.

Valor: O Sr. sofreu algum tipo de pressão por causa da decisão do CNJ de declarar vagos cinco mil cartórios no país que não realizaram concurso público?

Dipp : Nunca sofri pressão. Vieram pessoas conversar comigo sobre a decisão, mas nunca me pressionaram. Aliás, só é pressionado quem possibilita a pressão.

Valor: Esse tipo de assédio o incomoda?

Dipp : O que me incomoda são os juízes que se insurgem contra o controle administrativo que tem sido feito pelo CNJ, que está exigindo deles transparência, publicação de dados públicos, planejamento e gestão estratégica. Isso acontece com os tribunais de segunda instância, estaduais e federais, porque não estão acostumados a prestar contas.

Valor: Chegam muitos casos de suspeição ao CNJ?

Dipp : Começamos a investigar casos em que chega um processo no tribunal e um magistrado se dá por suspeito, outro também e outro também, para um quarto magistrado dar uma decisão teratológica. As suspeições muitas vezes são o acobertamento de uma decisão com abuso de poder ou com outras finalidades.

Valor: E qual a avaliação de sua experiência no CNJ?

Dipp : Foi uma experiência de vida, não só profissional. O que deve também me acrescentar uma visão geral de muitas coisas quando eu for julgar. Tenho uma visão muito crítica do funcionamento do tribunal e até dos próprios colegas. Muitos não compreendem. Mas, enquanto muitos não saem de seus gabinetes, eu tive a experiência de estar lá, no chão, no front. Entrei sem experiência nesse cargo. Dois magistrados recusaram o cargo, e de repente me vi aqui.

[Entrevista publicada originalmente no endereço eletrônico do Jornal Valor Econômico, em 01 de setembro de 2010.]

TSE barra candidatura de Joaquim Roriz no Distrito Federal

Por seis votos contra um, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) negou recurso da defesa de Joaquim Roriz (PSC) e impugnou sua candidatura ao governo do Distrito Federal com base na Lei do Ficha Limpa.

Para a maioria dos ministros, Roriz, favorito a vencer as eleições de outubro, tem "ficha suja" por ter renunciado ao mandato de senador em 2007 para escapar de uma eventual cassação.

A decisão desta quinta-feira do TSE abre jurisprudência para todos os demais casos de políticos que renunciaram aos mandatos durante investigação por quebra de decoro parlamentar, mesmo antes da aplicação da lei.

Votaram pela aplicação da Lei os ministros Arnaldo Versiani, relator do processo, Henrique Neves, Cármen Lúcia, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido e o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski.

Apenas o ministro Marco Aurélio afastou a aplicação da lei, concedendo o dieito a Roriz de concorrer à eleição de 2010 para o cargo de governador do DF.

Com a decisão, Roriz fica inelegível durante o período do mandato que exercia (2007-2015), e mais oito anos, ou seja até 2023.

O caso

Roriz deixou o Senado após ter sido flagrado em conversa telefônica discutindo a partilha de cheque de R$ 2 milhões. Ele alegou na época que o dinheiro era para comprar uma bezerra.

O advogado do ex-governador, acusado também de ser o mentor do mensalão do DEM, Pedro Gordilho, argumentava que a Lei do Ficha Limpa não poderia ser aplicada porque quando renunciou ao cargo, Joaquim Roriz não conhecia o teor da representação que pedia sua cassação.

"Já vem de longe a preocupação de que a renúncia pudesse ser utilizada para escapar da cassação de mandato. Também não vejo pertinência na evocação do principio de presunção de inocência. Isso nada tem a ver com o caso em questão. O que se trata é de quem renuncia em vias de sofrer processo disciplinar", afirmou o relator do caso, ministro Arnaldo Versiani

Único voto discordante, Marco Aurélio Mello insistiu que a pena não poderia retroagir. "Aqui, a situação concreta é de retroação da lei", disse.

Roriz ainda poderá recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) sob o pretexto que a Lei do Ficha Limpa é inconstitucional. Assim que apresentar o recurso, sua candidatura se torna válida novamente.
No caso de ser eleito e depois ter o pedido negado pelo STF, Roriz perde o mandato.

Justiça de SP nega recurso da Promotoria contra liberdade de Mizael

A Justiça de São Paulo negou nesta quarta-feira o recurso apresentado pelo Ministério Público contra a decisão da desembargadora Angélica de Almeida, da 12ª Câmara de Direito Criminal, que concedeu liberdade ao advogado e ex-policial militar Mizael Bispo de Souza, e ao vigia Evandro Bezerra Silva, acusados de participar da morte da advogada Mércia Nakashima.

Com a decisão, os dois acusados permanecem em liberdade. Ainda deve ser votado neste mês o mérito do habeas corpus de Mizael e de Evandro, mas a data exata do julgamento ainda não foi determinada, segundo a assessoria do Tribunal de Justiça.

Perícia de São Paulo conclui laudo sobre assassinato de Mércia Nakashima; documento tem cerca de 200 páginas

Ontem foi entregue à Polícia Civil e ao Ministério Público o laudo pericial sobre a morte da advogada. A principal evidência apresentada no documento é uma alga encontrada em um sapato de Mizael, que seria compatível com alga presente na represa de Nazaré Paulista (64 km de SP), local onde o corpo dela foi encontrado, em 10 de junho.

De acordo com o perito Renato Pattoli, do Instituto de Criminalística, essa nova evidência dá certeza de que aquele sapato foi usado por alguém que colocou o pé na água da represa, mas não é possível confirmar se foi usado por Mizael.

Além da alga, foram encontrados na sola do sapato resíduos de chumbo compatíveis com a bala que feriu Mércia, uma mancha de sangue e um pedaço de osso. Apesar disso, a perícia não conseguiu fazer um exame de DNA para determinar se o sangue era humano ou se o osso era da advogada.

O advogado Samir Haddad Júnior, que defende Mizael, afirmou que não há elemento científico que prove nada contra seu cliente. "Mais uma vez estão tentando forçar a barra. Não há como provar que não existem algas como essa em outras represas", afirmou. "Lamento que não tenha nenhuma prova contundente e eles continuem acusando o Mizael".

CASO

O carro da advogada foi encontrado no dia 10 de junho em uma represa em Nazaré Paulista (64 km de SP), após indicação de um homem que viu o veículo ser empurrado enquanto pescava. No dia seguinte seu corpo foi encontrado no mesmo local, após ela ter ficado desaparecida por 17 dias.

Mizael foi acusado de homicídio triplamente qualificado, mas desde o início das investigações nega qualquer envolvimento com o crime. O vigia Evandro Bezerra da Silva, acusado pela polícia de ajudar Mizael, foi denunciado por homicídio duplamente qualificado.

Silva chegou a falar, em depoimento à polícia, que combinou de ir buscar Mizael na represa de Nazaré Paulista no dia 23 de maio --data de desaparecimento de Mércia--, mas depois mudou a versão e negou envolvimento com o crime.