Como anunciado nas últimas semanas, foi publicada no Diário Oficial de 29 de junho, a Lei nº 12.275, alterando o procedimento do recurso de agravo de instrumento no processo do trabalho.
Passou a lei a exigir "depósito recursal" também para esse recurso, só que no montante de 50% do depósito exigido para o recurso a ser destrancado. Assim, se a parte recorrente depositou R$ 11.244 para um eventual recurso de revista cujo seguimento foi negado, teria que depositar mais R$ 5.622 para interpor o agravo de instrumento visando a liberação de seu recurso.
De todo modo, é certo que aqui também não se exigirá depósito, se os depósitos anteriores já atingiram o valor arbitrado à condenação, bem como naqueles casos em que não houver condenação em pecúnia.
Contudo, não podemos deixar de criticar mais essa "opção" jus-política.
No ano de 1992, a Lei nº 8.542 decuplicou os valores dos depósitos recursais. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 836-6/DF) declarou que o depósito recursal tinha natureza de pressuposto recursal especial e que poderia ser estabelecido por lei ordinária, sem ferir a garantia da ampla defesa.
De fato, "depósitos prévios" e "cauções" garantidoras não representam novidade, no direito processual brasileiro. São os famosos "impedimentos processuais". Encontramo-los no parágrafo 1º do artigo 475-M, no inciso II do artigo 488 e no artigo 804, todos do Código de Processo Civil (CPC). Na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), temos exemplo no artigo 836, que manda efetuar um depósito prévio, para processamento da ação rescisória, igual a 20% do valor da causa.
No entanto, a questão merece maior reflexão. Isso porque entendeu o Supremo, no julgamento da ADI 1976/DF, relatada pelo ministro Joaquim Barbosa, que a exigência de depósito ou arrolamento prévio como condição de admissibilidade de recurso administrativo constituía sério obstáculo ao exercício do direito de petição (Constituição Federal, artigo 5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório e a supressão do direito ao recurso (CF, art. 5º, LV).
A questão se pacificou com a adoção da Súmula Vinculante nº 21, determinando que "é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo". Logo depois, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) adotou a Súmula nº 424, admitindo - muito tardiamente - que o parágrafo 1º do artigo 636 da CLT não foi recepcionado pela Constituição de 1988.
Isto posto, é de se questionar: se o "depósito prévio" é inconstitucional, para o recurso administrativo, por qual razão não o seria, para o recurso judicial ?
Com efeito, primeiro temos que cuidar de um dilema. De um lado, a garantia ao amplo direito de defesa, ao duplo grau de jurisdição, e a possibilidade sempre presente de sentença injusta, ilegal ou eivada de outros graves defeitos, a clamar pela reforma. De outro, a necessidade prática de impedir a procrastinação do processo, por meio de recursos meramente protelatórios.
Porém, devemos sempre nos lembrar que os recursos, no processo do trabalho, não possuem efeito suspensivo. Assim, a rigor, mesmo com os recursos, já temos enorme desincentivo à procrastinação. Basta que o credor inicie a execução, para que o intuito procrastinatório do recurso desapareça.
Outrossim, existe a autorização legal para levantamento excepcional, pelo credor em situação de necessidade, de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de 60 vezes o valor do salário mínimo, sem cogitar-se de caução (CPC, art. 475-O, § 2º, I). Esse valor, aliás, é superior ao limite máximo do depósito recursal trabalhista.
Com a devida vênia, se no passado o depósito recursal até se justificava, devido a situação intrínseca do processo, acreditamos que agora, diante das modernas normas processuais aplicáveis, o depósito recursal se apresenta apenas como um obstáculo à utilização da garantia ao recurso, prevista literalmente no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal.
Se desejarmos analisar a exigência do depósito recursal no processo do trabalho com completa isenção, logo veríamos que não se trata de "pressuposto processual". Trata-se de pura e simples estratégia impeditiva, cuja intenção não declarada é a de vedar ou, no mínimo dificultar a utilização do remédio processual.
Abstraindo tal fato, vemos que esqueceram-se os preclaros legisladores que a Constituição Federal determina expressamente o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte (CF, art. 170, IX).
Ora, a exigência do depósito recursal não se apresenta sequer justificável, se no polo passivo da relação processual estiver um empregador de pequeno porte (micro ou pequena empresa). Por exemplo, a quantia hoje exigida para o depósito em recurso ordinário (R$ 5.622,00, aproximadamente), até se apresenta irrisória para uma grande empresa, que fatura milhões por ano, mas é superior ao faturamento mensal da maioria das micro e pequenas empresas. Por essa razão, tramitam no Congresso Nacional não menos que cinco projetos de lei retirando a exigência do depósito recursal em relação às microempresas e empresas de pequeno porte (Projetos nº 7.047/10; 6.015/09; 171/07; 506/03 e 7.183/02).
Entendemos que, se o depósito prévio para o recurso administrativo é inconstitucional, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, então o depósito prévio para o recurso trabalhista também o é. Pensar diferente, é desfazer todo o entendimento a respeito dos "pressupostos processuais", além de extrair da garantia da ampla defesa uma leitura, que não se coaduna com o tão propalado Estado Democrático de Direito, pertencendo sim a um "Estado de duplo discurso", que na Constituição garante muito, mas na prática retira ou impede a fruição da maior quantidade de garantias que puder.
Por fim, lembrando as palavras de Anthony Kennedy, juiz da Suprema Corte Americana, nunca devemos perder de vista o fato de que a lei tem um fundamento moral, e não devemos nos limitar apenas a questionar "o que é a lei", mas principalmente "o que a lei deveria ser".