Iludem-se os advogados que supõem que o instituto da arbitragem será fortalecido, no Brasil, se a atuação dos árbitros, que agem como autoridade pública, juízes de fato e de direito que são, for mantida fora do alcance de controle judicial. Essa suposição não tem chance de prevalecer, de início, ante a garantia constitucional do controle jurisdicional dos atos de autoridade que impliquem em lesão a direito; e também não a tem por força dos preceitos da lei brasileira de arbitragem, que expressamente subordina a validade do processo arbitral aos princípios básicos do processo legal, cuja inobservância não é autorizada, mas proibida, aos juízes arbitrais.
Muitas vezes parece que a defesa da isenção do controle judicial dos atos dos tribunais arbitrais está orientada por interesses corporativos dirigidos à defesa de um mercado de negócios - o da arbitragem -, e não à sanidade, higidez e segurança do processo arbitral. Trata-se de uma defesa fundada em afirmações sem conteúdo ou sentido, como a de que o controle judicial é cabível apenas nas restritas hipóteses de ação anulatória da sentença arbitral, quando se sabe que lesões irreversíveis a direitos fundamentais das partes do processo arbitral podem concretizar-se antes da prolação dessa sentença; ou a de que as partes da arbitragem renunciam à proteção do Estado, quando, na verdade, apenas elegem um via que acreditam mais rápida e eficiente para a composição dos conflitos, mas, nem por isto, dispensam a sua subordinação às regras fundamentais do processo legal ou outorgam aos juízes arbitrais um mandato irrestrito para conduzir e resolver o processo do modo que bem entendam. Os objetivos, conteúdos e limites do processo arbitral são estabelecidos exatamente pelas partes, e não, jamais e em tempo algum, pelo tribunal arbitral, que não possui autorização de quem quer que seja para substituir ou modificar a vontade e as determinações que as partes fixam na convenção de arbitragem.
Essas considerações vêm a propósito do mandado de segurança impetrado pela Companhia do Metrô de São Paulo, em processo arbitral em que contende com o consórcio de empreiteiras responsável pela implantação da Linha 4 do metrô da cidade. Como um dos advogados responsáveis por essa impetração, rejeito, com indignação, todos os comentários publicados, no Brasil e no exterior, por profissionais da advocacia que não sabem do que estão falando e se lançam em uma defesa impensada de posições processuais relativas a uma convenção de arbitragem que não conhecem e sequer leram.
Essa convenção estabelece os contornos do litígio e, por conseguinte, o raio da atuação dos juízes arbitrais. Esse raio é a referência obrigatória da legalidade ou ilegalidade dos atos que os juízes arbitrais praticam. No caso, o Metrô e o consórcio discutem se há diferença de custos na aplicação de duas distintas metodologias de engenharia para a realização de uma determinada obra. Em uma decisão que o Metrô considera abusiva e ilegal, além de desprovida de qualquer razão aceitável, o tribunal arbitral limitou a verificação dessa diferença (se há e, havendo, qual o seu valor) ao exame da contabilidade do consórcio, ou seja, ao exame do que o consórcio diz que gastou na obra e contabilizou em sua escrituração; e determinou que esse exame seja realizado apenas por profissionais da contabilidade, e não, como é necessário, por profissionais capacitados a identificar a estrutura de custos de grandes obras de engenharia. Para o Metrô, isso apenas confirmará o que o consórcio alega e será inútil para verificar quais os custos efetivamente inerentes às duas metodologias de construção; e será ainda incapaz de confirmar ou não a procedência e a legitimidade dos custos que o prestador do serviço imputou à obra e lançou em sua escrita.
Por essas razões, o Metrô considera que ocorre uma violação aos seus direitos de parte no processo, com um claro cerceamento da sua defesa, que se fundamenta na sua afirmação de que não há diferença significativa de custos entre as duas metodologias - uma defesa, como se vê, que depende de uma prova técnica sobre a estrutura de custos da obra de engenharia, o que não é o mesmo, de modo algum, que verificar-se o que o prestador do serviço, de modo unilateral, atribuiu e lançou. A questão é simples assim, mas a celeuma que provoca substitui, de fato, a pergunta que deveria ser feita com frequência e igual facilidade: por que razão é impedida a produção dessa prova no processo?
Lembre-se a quem o tema interesse que o litígio entre o Metrô e o Consórcio CVA se desenvolve em um dos principais processos em que é testada a aplicação do instituto da arbitragem, no Brasil, em questões que envolvam o interesse da administração pública e os recursos do erário. Isto deveria constituir uma razão para o maior rigor na condução do processo, e não para a insensata publicação de palavras e frases na simples defesa do mercado de trabalho de advogados e câmaras arbitrais, mas que são vazias de significado e somente contribuirão, no médio e longo prazo, para desacreditar e desmoralizar um instituto cujos méritos são amplamente reconhecidos. Os limites da arbitragem são equivalentes aos do processo judicial e estão vinculados a razões comuns a ambos: as questões de ordem prática, como o excesso de trabalho e a deficiência da infraestrutura dos serviços; o longo tempo utilizado nos processos não pelas partes, mas pelos próprios tribunais arbitrais; e as imperfeições e insuficiências dos ritos de procedimento e do trabalho humano. Mas a principal e mais profunda limitação da arbitragem é a sua subordinação ao ordenamento jurídico no qual está inserida, ao qual deve respeito e obediência. Não há qualquer razão para que essa subordinação seja negada e ocultada por razões obscuras e motivações de nenhum modo legítimas. Será por isto oportuno que o desfecho do caso seja mesmo acompanhado por "centenas de advogados do Brasil e do mundo afora", como já foi dito por representante de entidade do setor de arbitragem - uma admoestação que só tem lógica e sentido se for entendida como uma tentativa de pressão sobre os membros do Poder Judiciário a quem competirá decidir o assunto. A intromissão dispensável dessa corporação, que ignora os contornos do caso concreto mas desse modo assedia, deveria, na verdade, inspirar-se em outras preocupações.
Submeter-se o Metrô a um processo onde não se observem os seus direitos de parte e onde ele possa ser subjugado por uma decisão baseada em provas que ladeiem o centro da questão, que está fixado na convenção de arbitragem, também representará a lamentável criação das sementes da futura ação de anulação dessa decisão. Em tudo isso se encontra, então, um desserviço ao instituto da arbitragem, cuja consolidação depende de que receba um tratamento sério e consequente com os fatos.