terça-feira, 3 de agosto de 2010

Produção antecipada de prova é legal quando a demora pode prejudicar elucidação do processo

A produção antecipada de prova testemunhal se justifica quando a demora puder prejudicar a busca da verdade real dos fatos, principalmente no caso de as testemunhas serem crianças e, por causa da idade ou mesmo para não relembrar do trauma sofrido, começarem a esquecer detalhes importantes do que presenciaram. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de habeas corpus em favor de M.S. e V.M.S., denunciados pelo Ministério Público de São Paulo pelo crime de atentado violento ao pudor contra vítimas de dois a nove anos.

De acordo com as informações processuais, o casal foi citado por edital e não apareceu ao interrogatório, motivo por que foi declarada, à revelia dos réus, a suspensão do processo e do prazo prescricional e, consequentemente, a prisão preventiva dos dois denunciados, que se encontram foragidos. M.S. não foi encontrado desde a data em que os fatos foram descobertos e V.M.S. admitiu, na época, estar escondida na cidade de Guarulhos (SP).

A defensoria pública recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que manteve a sentença que determinou a produção antecipada de prova testemunhal e a prisão preventiva dos réus. Para a defensoria, essa medida feriu os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, configurando-se constrangimento ilegal, uma vez que não há fundamentação e urgência que justifica tal procedimento.

Entretanto, o relator do processo, ministro Napoleão Maia Filho, não acolheu os argumentos em favor dos réus. “Ao contrário do que sustenta a defensoria, não se verifica, no caso em exame, qualquer constrangimento ilegal. Conforme entendimento consolidado no STJ, quando a demora na produção de provas puder prejudicar a busca da verdade real, ante a grande probabilidade de as testemunhas não se lembrarem dos fatos presenciados, encontra-se caracterizada a urgência da medida”.

Em seu voto, o ministro transcreveu trechos da fundamentação utilizada pelo juiz de primeira instância, que assinalou: “Aos réus é atribuída a prática de crime hediondo contra crianças, quando essas contavam com nove e dois anos de idade. Será natural que as vítimas, em razão da pouca idade, pouco venham a se recordar acerca dos fatos ocorridos há quase três anos, esquecimento que tende a agravar-se com o passar do tempo, com prejuízo para a prova que as partes deverão produzir”.

Para o ministro, o artigo 366 do Código de Processo Penal estabelece a possibilidade de o julgador determinar a produção antecipada da prova, “inclusive testemunhal, na hipótese de estar suspenso o processo em decorrência da revelia do acusado, restando devidamente demonstrada a urgência da medida, diante das peculiaridades do caso concreto”.

Quanto ao pedido de relaxamento da prisão preventiva, o ministro esclareceu: “A materialidade do crime está comprovada, havendo indícios suficientes da participação dos réus no crime. Desse modo, não há ilegalidade na decisão que determina a prisão preventiva dos envolvidos. A decisão que decretou a detenção cautelar, bem como o acórdão que a confirmou, foi tomada para garantir a aplicação da lei penal, assim como a garantia da ordem pública”, concluiu o relator, negando pedido de habeas corpus. O voto de Napoleão Maia Filho foi acompanhado pelos demais ministros da Quinta Turma.

MP 497 impede indústrias de adotar planejamento tributário de PIS e Cofins

Parte das indústrias de cosméticos, bebidas, fármacos, combustíveis, autopeças e outros setores tributados pelo regime monofásico - pelo qual a indústria paga o PIS e a Cofins por toda a cadeia de produção - deve aumentar o preço final de seus produtos. Isso pode ocorrer em razão do fato de muitos estabelecimentos terem que abrir mão do planejamento fiscal que realizavam para reduzir os valores recolhidos de PIS e Cofins.

A estratégia para pagar menos contribuições, adotada pelos setores, foi vetada pela Medida Provisória nº 497. A MP equiparou atacadistas e produtores, ao cobrar PIS e Cofins dos atacadistas também. As alternativas ao aumento de preços são apenas duas: ou a equiparação é retirada da MP na conversão em lei ou a empresa que se sentir prejudicada entra na Justiça para contestar a mudança.

A MP determina que, na tributação pelo regime monofásico, será cobrado PIS e Cofins dos atacadistas quando estes adquirirem de empresa com a qual mantenha relação de interdependência. De acordo com a legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), há relação de interdependência quando uma das empresas tiver participação de 15% ou mais na outra, quando uma mesma pessoa fizer parte de ambas como diretor ou sócio, ou quando a atacadista for a única adquirente da fabricante ou tiver contrato de exclusividade.

O planejamento tributário que muitas dessas companhias usam para aliviar a carga tributária começa com a criação de uma distribuidora para fazer parte do mesmo grupo econômico. Então, essa nova empresa passa a ser a única ou principal revendedora dos produtos fabricados pela indústria do grupo. Para pagar menos impostos, a indústria vende os produtos para a atacadista pelo preço de custo, sem a margem de lucro embutida. Assim, acaba por pagar PIS e Cofins sobre um valor muito menor, ainda que em nome da cadeia inteira.

Mas também há empresas que estão na situação de interdependência, segundo a lei, mas não usam a estratégia para recolher menos tributos, segundo a advogada Catarina Rodrigues, do escritório Demarest e Almeida Advogados. Para algumas empresas, em razão da região onde se localizam, é necessário ter o próprio centro e distribuição por motivos de logística. "Essas distribuidoras deverão ir à Justiça para contestar a cobrança do PIS e da Cofins", afirma a advogada.

Apesar dos efeitos da equiparação entre atacadistas e fabricantes só entrarem em vigor a partir de novembro, Douglas Lopes, sócio da consultoria tributária Delloite, já prevê um impacto de 12% a 20% no preço final dos produtos tributados pelo regime monofásico. "Se a MP for convertida em lei do jeito que está hoje, a situação será essa", diz. Segundo Lopes, a MP pegou o mercado de surpresa. "As empresas reclamam que não foram abertas negociações antes da edição da medida provisória, e preparam-se para pressionar o governo e parlamentares."

O preço dos produtos pode aumentar porque o PIS e a Cofins passam a incidir sobre o valor agregado, com o lucro incluído. Levando-se em consideração um lucro de 10%, por exemplo, um lote com cem cervejas poderá custar R$ 3 a mais para o varejista. O advogado Edison C. Fernandes, do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados, tem avisado os clientes dos segmentos afetados e que o planejamento tributário antigo não poderá mais ser usado. "Agora, para essas empresas, pode ser melhor ter centros de distribuição independentes", afirma.

Outra saída para as empresas que usam o planejamento tributário para obter proveito econômico é tentar esquivar-se da caracterização de interdependência. "Porém, com o risco de ser autuado pela prática de atos simulados", alerta o advogado Marcelo Tendolini Saciotto, do escritório Leite de Barros Zanin Advocacia.

A tributação monofásica foi instituída pela Lei Federal nº 10.147, de 2000. Segundo a exposição de motivos da MP 497, o objetivo da alteração da norma é evitar fraudes a essa legislação.

Contribuinte resgata teses fiscais

Os contribuintes têm resgatado algumas teses tributárias que, até então, eram consideradas perdidas nos tribunais superiores. Conhecidos por mudar de opinião em casos emblemáticos, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alteram entendimentos a favor das empresas. Com a reviravolta, os contribuintes estão conseguindo liminares - em primeira e segunda instâncias - para excluir o terço de férias da base de cálculo das contribuições previdenciárias e não pagar Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre juros de mora.

Somente a exclusão da contribuição previdenciária do terço de férias pode gerar uma economia de aproximadamente 6% sobre o valor nominal de uma folha de salários, segundo cálculos do advogado Leonardo Mazzillo, do W Faria Advocacia. Ele tem oito novas ações discutindo o tema e já obteve duas liminares favoráveis em São Paulo. O advogado Maurício Faro, do Barbosa, Müssnich & Aragão, entrou com 15 processos e obteve quatro resultados favoráveis. Dessas decisões, duas são do Rio de Janeiro, uma de Juiz de Fora e outra de Minas Gerais. Segundo ele, faz pouco tempo que as empresas começaram a perceber a relevância financeira dessa tese.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgava contra as empresas. E só alterou sua posição a partir de um julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), que analisou o recurso de uma associação representativa de servidores públicos, em 2006. Na época, os ministros declararam taxativamente que o terço constitucional não tem natureza salarial, e portanto, não estaria sujeito à incidência das contribuições previdenciárias. Com a posição do STF, os ministros do STJ decidiram alterar seu entendimento.

Segundo o advogado Leonardo Mazzillo, inicialmente as empresas tiveram receio de voltar a apostar nessa tese, pois o julgamento tratou da condição dos servidores públicos. No entanto, como a abrangência do julgamento ficou confirmada em outras decisões posteriores, muitas companhias resolveram investir na antiga argumentação. E neste ano, com o fim do prazo de dez anos para reclamar impostos pagos a mais, interessaram-se em resgatar o assunto na Justiça. O prazo terminou em 8 de junho.

E, mesmo agora com a possibilidade de reaver apenas cinco anos para cobrar o que foi pago a mais à Previdência, ainda há empresas interessadas em entrar com ação, segundo advogados. Isso porque, além de reaver os valores dos últimos cinco anos, podem pleitear a suspensão do pagamento de quantias futuras, segundo o advogado, do Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados. De acordo com ele, ainda que existam diversas decisões judiciais a favor dos contribuintes, a Previdência insiste em cobrar esses valores e autua quem não os recolhe.

Decisões recentes do STJ contra a incidência do Imposto de Renda e da CSLL sobre os valores cobrados pelas empresas de seus devedores a título de juros moratórios também têm motivado companhias a voltar à Justiça. Há precedentes tanto da 1ª Turma quanto da 2ª Turma. Nesse caso, a mudança a favor do contribuinte se deu em razão do Código Civil de 2002. A norma estabeleceu que os valores recebidos a título de juros de mora têm natureza jurídica indenizatória. Por isso, os ministros passaram a considerar que, como esses juros não podem ser classificados como renda, não poderia incidir IR e CSLL sobre eles.

Para Mazzillo, a tese é interessante para empresas que têm alta taxa de inadimplência, como concessionárias de energia elétrica, telefonia ou seguradoras. "Essas companhias podem reaver valores significativos", afirma. Ele obteve duas liminares favoráveis. Como ainda são poucas as decisões sobre o tema, o advogado afirma que a empresa deve medir os riscos do processo e colocar na balança os prejuízos que terá caso a tese não seja aceita, ou os benefícios financeiros se a tese continuar a ter sucesso. "Em geral, a discussão compensa para empresas que têm muitos clientes."

Procurada, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não retornou até o fechamento da edição.